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Quanto menos armas em circulação, menos mortes

04 Jan


“Já está comprovado, por números, que a menor quantidade de armas em circulação, e não o contrário, aumenta a segurança e reduz a quantidade de homicídios.” A opinião é da diretora da ONG Sou da Paz, Melina Risso, que desde 2003 faz parte do programa Controle de Armas e luta, ao lado do governo federal, pelo desarmamento da sociedade. O Sou da Paz participou ativamente da aprovação do Estatuto do Desarmamento naquele ano e das campanha de recolhimento de armas de 2004 e 2008, que tiraram mais de 500 mil de circulação e regularizaram outras 1,5 milhão.

De acordo com levantamento de 2010 feito pelo Ministério da Justiça, o Brasil tem 16 milhões de armas, das quais 47,6% na ilegalidade. Com 34,3 mil homicídios ao ano, o País é o campeão mundial de mortes por armas de fogo, em números absolutos. No entanto, desde a aprovação do Estatuto, ou seja, entre 2004 e 2010, a taxa de mortalidade por armas de fogo caiu 8%, comprovando a tese de Risso.

Acerca do debate aberto sobre a origem do armamento dos criminosos brasileiros, a diretora fica com o sociólogo Antonio Rangel Bandeira, da ONG Viva Rio, sobre a hipótese que a maior parte do poder de fogo dos traficantes e cia. são de produção nacional. Essa posição vai contra a apresentada pelo diretor dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CAC), Fabrício Rebelo, em carta enviada à CartaCapital. Sobre o CAC, Risso ainda discorda que a fiscalização deles é tão rígida como eles mesmo dizem. “O Exército não tem a quantidade de pessoas suficiente para fiscalizar no rigoroso processo que deveria fiscalizar.”

Leia abaixo a íntegra da entrevista. Na semana que vem publicaremos novas reportagens sobre o tema com diferentes setores envolvidos na questão.

A maioria das armas dos criminosos realmente vem de dentro do País?

“A informação de que as armas apreendidas no Brasil são prioritariamente de produção nacional está comprovada com dados. Sobre isso não tem como ir contra. Tem estudo feito pelo Centro de Análise e Planejamento (CAP) da Polícia Militar, de 2007, que mostra que as armas apreendidas por pessoas que de alguma maneira estavam cometendo algum crime são armas de fabricação nacional. A indústria nacional de armas alimenta a criminalidade. Isso é um fato, não há argumento contra. Por exemplo, a chefe da balística de São Paulo afirma que praticamente todas as armas que chegam para ela fazer uma análise são de fabricação nacional.”

O CAC

“O questionamento do CAC acontece porque ele é um setor muito visado. Nós fizemos uma pesquisa sobre a implementação do Estatuto do Desarmamento que mostrou que esse setor detém uma quantidade significativa de armas. Essa categoria chama atenção, mas não estou dizendo que essas pessoas estão desviando armas. Em 2007, tínhamos no Sigma (banco de dados de armas das Forças Armadas e do CAC) 154.522 armas registradas nas mãos de colecionadores, atiradores e caçadores. É um arsenal absurdo que está nas mãos de uma categoria que tem as armas como hobbie, que podemos inclusive questionar do ponto da segurança pública. Para além do desvio, essas pessoas que detém uma enorme coleção de armas acabam sendo visadas para o roubo.”

A fiscalização do CAC pelo Exército

“O Exército tem uma série de normas, que o diretor do CAC até coloca na carta dele publicada no site da CartaCapital, que precisam apresentar diversos documentos para conseguir uma carteirinha. Contudo, o Exército não tem a quantidade de pessoas suficiente para fiscalizar no processo rigoroso de como deveria fiscalizar. Ele é rigoroso mas não é feito. Você pode olhar a série de pesquisas e entrevistas em nosso site, que perguntamos para pessoas do Exército como é feita a fiscalização, quantas apreensões são feitas, mas aparece “inopinada”. A interpretação sobre “inopinada” que acontece dentro do Exército é uma piada às vezes, porque os militares tem a sensação de que precisam avisar as pessoas que vão fazer a fiscalização. Então eles nem fazem a fiscalização para não constranger o cara.”

A fiscalização do comércio de armas

“Nós temos um problema muito grande de fiscalização no país de todas as armas de uma maneira geral. Na pesquisa percebemos que apenas no Estado de São Paulo, um terço das armas registradas pelas empresas de segurança privada foram furtadas. Nós tínhamos aproximadamente 69 mil armas registradas pela segurança privada e quase 24 mil tinham sido furtadas no mesmo ano. Do ponto de vista do processo de fiscalização dessas categorias que tem muitas armas, nós temos que fazer um grande avanço. A Polícia Federal (PF) está num processo de mudança do sistema do Serviço Nacional de Armas (Sinarm), que registra todas as armas, para que tenha uma maior integração e facilidade.”

Análise e perspectiva sobre a questão das armas no Brasil

“Tivemos uma evolução muito grande nos últimos anos. O Sou da Paz foi criado em 1997, mas o assunto de controle de armas nem estava na pauta nacional, mas em 2003 entramos nessa questão do desarmamento. O Estatuto do Desarmamento foi um grande avanço na política de controle de armas nesse país. O fato dele ter proibido o porte de armas e ter dificultado o processo de compra, fez com que caísse o número de armas em circulação e vemos também uma sensível redução de homicídios. Em 2004, um ano após a aprovação do Estatuto, foi a primeira vez que vemos uma redução na curva de homicídios desde o início dos anos 1990. No entanto, só a lei aprovada não resolve: precisamos efetivamente implementá-la. Tem que ter mais fiscalização e aprimorar uma série de mecanismos de controle. Nós defendemos que a fiscalização do CAC passe para a PF e saia da mão do Exército para que tenhamos um controle civil sobre essas armas. Se o colecionador quer ter armas, nós podemos criar um mecanismo que desative o mecanismo de disparo da arma, porque ele não precisa de uma arma que de fato funcione, afinal ele é um colecionador. Ele pode importar até fuzil AK-47. Por outro lado, São Paulo foi Estado que de fato investiu na implementação do Estatuto. Na primeira campanha de recolhimento de armas em 2004, SP tirou de circulação mais de 100 mil armas. Nós observamos isso na redução da taxa de homicídio no Estado. De 2º Estadi com maior número de homicídio por arma de fogo, caiu para o 25º lugar. Outro lado que acompanhamos exaustivamente é uma série de projetos-de-lei que são apresentados no Congresso para desvirtuar o Estatuto. Eles tentam flexibilizar o porte de armas para diversas categorias, como, por exemplo, o educador social. Não é armando a população que vamos tornar o país mais seguro, mas é justamente o contrário.”

A implementação do Estatuto do Desarmamento

“Alguns pontos ainda não foram executados e outros precisam ser melhorados. A marcação de toda munição destinada às Forças Armadas e para a polícia ainda não tem um mecanismo aprimorado de fiscalização de desvio porque está sendo feita em uma escala muito grande. O processo do banco de dados de balística, que é a marcação das armas que saem das fábricas, ainda não foi implementado tal qual havia sido proposto. A arma, em sua grande maioria, nasce legalmente no país, portanto começar a controlar essas informações na fonte, que é muito mais fácil de fiscalizar, permite criar uma base de dados que sirva para a melhoria da investigação para as polícias. Ainda falta o processo de integração do banco de dados da PF e do Exército e o aprimoramento da fiscalização das empresas de segurança privada.”

A CPI das Armas na Alerj

“A CPI das Armas no Congresso concluiu uma série de medidas que não foram implementadas. Ela tem que fazer novas investigações mais detalhada que ampliem as já feitas, mas o caso do Rio de Janeiro incide em todo o país, por conta da política de segurança pública que está sendo implementada naquele Estado, que pode trazer frutos e inspirações para outros. Tentar destruir o mecanismo de desvio de armas que existe no RJ, dentro das próprias instituições policias, é fundamental. Mas temos que pressionar todos os processos de melhoria da segurança pública e esse é o papel da sociedade civil.”

Programa de desarmamento de 2011

“Nós temos pela primeira vez neste ano o Dia Nacional do Desarmamento, que acontecerá no primeiro sábado de julho. É absolutamente importante fazer uma mobilização nacional que traga de volta essa questão. Em 2003 conseguimos aprovar o Estatuto, em 2004 fizemos uma grande campanha que tirou muitas armas de circulação, em 2005 veio a discussão do referendo, em que a população votou pela manutenção da venda de armas de fogo, mas isso não significa que acabou com o Estatuto do Desarmamento, muito pelo contrário. Nós vamos fazer ao longo deste primeiro semestre uma grande mobilização para em julho conseguirmos tirar um grande número de armas de circulação.”

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