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Sucessão de erros leva trabalhador que não pagou pensão alimentícia para a cadeia

09 Fev

JoséRabelo

No último dia 27, Célio Alves de Oliveira, 45 anos, cumpria mais uma jornada de trabalho no Parque da Gruta da Onça, no Centro de Vitória. A função de Célio é cuidar do patrimônio do parque municipal, que é emoldurado por quase 70 mil metros quadrados de mata atlântica. Em meio à poluição e à correria frenética do Centro, o ar puro e a exuberância da mata transformam o local num reduto de tranquilidade.

Na manhã daquela quinta-feira, porém, nem o canto do tié-sangue foi capaz de serenar os nervos do vigilante, que recebeu de supetão a voz de prisão que partiu de dois policiais militares. Junto aos policiais estava um oficial de justiça, que exibia um mandado de prisão que ele mal teve tempo de correr os olhos. Só foi informado que a pendenga estava relacionada às pensões alimentícias que deixou de pagar. Célio só teve tempo mesmo de tirar a farda e colocar a sua roupa civil antes de ser algemado e conduzido à delegacia. Depois de horas na delegacia, o delegado José Luiz Pazetto explicou a Célio que teria prendê-lo, independente de ele ser um trabalhador e não ter uma única passagem pela polícia. Pazetto disse ao vigilante que um processo de 2005, movido pela sua ex-companheira, cobrava a pensão alimentícia dos seus dois filhos, à época dos fatos com 11 e 17 anos. No mandado de outubro de 2008, a juíza do Rio de Janeiro determina que Célio fique preso por 30 dias e depois seja colocado em liberdade. Alegando não ter alternativa, o delegado encaminhou Célio para o Centro de Detenção Provisória II (CDP-II), em Viana, no município de mesmo nome.

Segundo a advogada Carla Pedreira, que defende voluntariosamente o vigilante, o processo de prisão de Célio foi ilegal do começo ao fim. Assim que tomou conhecimento dos fatos, a advogada passou a revirar as varas da Grande Vitória atrás de uma carta precatória que pudesse justificar o cumprimento do mandado de prisão. De acordo com a advogada, tanto o delegado quanto a unidade prisional, irregularmente, acataram o pedido de prisão da juíza carioca com o mandado de 2008 da Vara da Família do Rio de Janeiro. “Verifiquei no CDP II e eles só tinham o mandado expedido pela juíza do Rio, mais nada”. Carla Pedreira também chama atenção para a arbitrariedade cometida pelos policiais e ignorada pelo delegado. “Ninguém pode ser algemado em prisão civil. Trata-se de uma prisão cível, não criminal”, protestou. A defensora esclarece que a carta precatória só apareceu após a prisão do vigilante. “Se não há necessidade de carta precatória, cai por terra o instituto da jurisdição e competência, também não haveria necessidade de sua distribuição. Veja que a prisão é sobre alimentos, por determinação de Juiz da Vara de Família do Rio e, aqui, depois de pressão, foi distribuído, pós-prisão, por oficial de Justiça que tem função de cumprir ordens judiciais dentro da sua jurisdição. Portanto, tudo foi feito de forma errada”. Carla Pedreira diz que as arbitrariedades cometidas contra o seu cliente deixam algumas perguntas sem resposta. “Como o oficial de justiça tomou conhecimento da carta precatória, antes da sua distribuição? Se não há necessidade de carta precatória para efetuar a prisão, por que a carta apareceu em seguida?”, questiona. A advogada ainda acrescenta que, se a prisão é determinada por juiz da Vara da Família, a carta precatória deveria ter sido distribuída para uma das varas de família, e não para a Vara Privativa de Registro Público. Segundo a defensora, a carta precatória da Primeira Vara de Família do Rio deveria ter sido enviada para a comarca de domicilio do réu. Na comarca deprecada, o feito é recebido e distribuído por sorteio. O juiz sorteado recebe e manda cumprir a determinação do juiz deprecante e, o cartório, envia o mandado para a Central de Mandados, que verifica qual a região do cumprimento, para informar qual é oficial de justiça que deverá cumpri-lo. “É somente neste momento que o oficial de justiça toma conhecimento que vai cumprir o mandado, ou seja, por determinação de um juiz daqui. Caso julgue necessário, o oficial solicita reforço policial para cumprir o mandado após consultar o juiz”, explicou Carla Pedreira. Enquanto a burocracia da Justiça andava a passos lentos, Célio se separou da ex-companheira, ainda quando a caçula tinha cerca de cinco anos (hoje tem 16 anos), e se mudou para o Espírito Santo. Em terras capixabas, Célio conheceu Sirley, com quem está casado há cerca de 10 anos. “Estou com muito medo do Célio ser demitido ou acontecer algo de ruim com ele na prisão. Ele é um homem de bem, trabalhador, que foi colocado no meio de bandidos”, desabafou Sirley. O vigilante trabalha há cerca de quatro anos na empresa de segurança CJF, que terceiriza mão de obra para a prefeitura de Vitória. Sirley disse que procurou a administração do Paque Gruta da Onça para pedir uma declaração que comprove que o seu marido estava trabalhando no momento da prisão. Ela disse que a administradora do parque não foi autorizada pelo dono da empresa a dar a declaração. Ele teria alegado que o problema do vigilante era de ordem pessoal. “Os colegas do meu marido comentaram que a empresa vai mandar ele embora por justa causa”, lamentou.

Nos últimos contracheques do vigilante constam os descontos da pensão alimentícia, que está sendo recolhida mensalmente. A advogada tenta relaxar a prisão do vigilante para evitar que Célio passe os 30 dias determinados pela juíza carioca atrás das grades.

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